Igor Vieira e coordenador de programa
Comunidades costeiras ao redor do mundo apresentam múltiplas formas de se relacionar com os recursos hídricos. Compreender e participar dessas dinâmicas é um desafio de várias frentes, já que envolvem habitações, atividades de desenvolvimento, crescimento populacional e como isso se relaciona com o oceano, ambientes estuarinos e rios urbanos. É um desafio multifacetado que precisa ser tratado com a devida complexidade. No último blog discutimos um pouco sobre como não deve haver apenas uma abordagem para pensar no tratamento de água em comunidades costeiras e agora, vamos compreender mais sobre a realidade em outras regiões que a Waterlution tem atuado.
Em países como o Brasil, de proporções continentais pensar em acesso à água tratada é uma questão que vem após uma pergunta crucial: “A água chegará nestas comunidades?” Em muitos lugares a questão primordial é compreender as possibilidades de acesso antes mesmo de pensar na qualidade.
A crise do clima tem se mostrado um fator importantíssimo para questionar este cenário e tem reafirmado a urgência da ação local, principalmente nos últimos tempos com a intensificação da pandemia do COVID-19. Mais pessoas se encontraram com o desafio de acessar água para funções básicas diárias que pudessem mantê-las seguras em suas habitações. Para muitas comunidades costeiras do Brasil, o acesso à água é um desafio, a exemplo do Morro do Preventório, um dos territórios do WIL Brasil 2021, que a depender da região chega a passar 15 dias sem água. Essa frequência de abastecimento contempla apenas as partes da comunidade que possuem rede de acesso. No território, existem realidades ainda mais complexas.
Pensar nas comunidades costeiras é compreender as consequências associadas à crise do clima como o cenário óbvio de elevação do nível do mar, mas há uma gama de questões de infraestrutura urbana em áreas costeiras que estão ficando evidentes nos últimos tempos: aumento de deslizamentos, intensificação da salinização de aquíferos e águas superficiais.
Entender as nuances locais destes desafios é na verdade uma forma de aprofundar a conversa sobre as grandes questões a respeito do tema em diferentes partes. Pensando nisso, e focando na resposta de Adaptação Climática, o WIL Brasil 2021 está atuando numa abordagem territorial para mergulhar nestes desafios locais que se conectam com uma ótica que se repete em outros cenários no Brasil. Quatro dos cinco territórios do programa estão em comunidades costeiras e apresentam desafios específicos que refletem a pluralidade e a seriedade do assunto.
O planejamento e gestão tem uma influência nos cenários que estão sendo modificados com a ocorrência de mais eventos extremos. Decisões sobre territórios como a Região Metropolitana de Maceió demandam uma visão estratégica de planejamento que priorize o investimento em adaptação, reduzindo riscos e impactos associados como enchentes, alagamentos e erosão. Paralelamente a isso, é fundamental desenvolver formas de assegurar o acesso aos serviços de água e saneamento.
A necessidade de associar fatores e soluções deixa claro que a crise do clima e as crises hídricas são uma só. Este exemplo nos leva para o território de Salvador, especificamente na bacia do Rio Paraguaçu, que percorre distintas regiões do estado e que é responsável por 60% da água captada para abastecimento humano da Região Metropolitana de Salvador. Os últimos anos têm sido de estiagem na região e há uma preocupação no fluxo de disponibilidade hídrica para o abastecimento em futuro próximo.
Mas não só de disponibilidade de acesso fica a análise, no território da Foz Rio Doce, qualidade e disponibilidade de água é o maior desafio desde que a Tragédia Ambiental do rompimento da barragem de rejeitos de uma empresa de mineração afetou a região. Desde então comunidades inteiras têm buscado alternativas para acessar água que garanta a sobrevivência e o desenvolvimento local através de suas atividades.
Quando pensamos em ação local para combater a crise do clima através de projetos de água e saneamento, o tratamento pode ser uma questão secundária como alguns dos territórios foco do WIL Brasil apresentam. Como resposta, é necessário capacitar mais comunidades no processo de adaptação à crise do clima, aumentando assim a resiliência das mesmas. Com isso, a segurança hídrica passará a ser uma possibilidade para muitas pessoas.
É desta forma que enxergamos a necessidade de mudança de estratégia para lidar com estas questões no Brasil. Tendo estes territórios como referência e também como fonte de soluções, porque é assim que o processo de inovação na prática está acontecendo. Estes desafios são o princípio de muitas ramificações que estamos desvendando no decorrer da jornada, que ainda tem muito a ser visto e construído.
Um agradecimento especial aos nossos parceiros territoriais nas cidades costeiras: Morro do Preventório, Salvador, Região Metropolitana de Maceió e Foz do Rio Doce que tem aberto suas iniciativas, organizações e comunidades inteiras para que possamos seguir fomentando uma cultura de cuidado com as águas.
Igor Vieira (Ele) é Coordenador do WIL BrasilEngenheiro Ambiental com Pós Graduação em Oceanografia e Mestrado em Engenharia Ambiental. Pesquisador de qualidade de água e gestão de recursos hídricos. Mora no Recife, cercado por água, já representou o Brasil nas Conferências de Clima da ONU, COP 24 e 25. Atua e tem interesse nas agendas de água e advocacy climático.